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O grande vexame que é desamar

Fabrício Carpinejar

18/08/2017 04h00

Crédito: Getty Images/iStockphoto

Não existe maior constrangimento do que deixar de amar. Dificilmente haverá uma vergonha maior. Nem a traição, muito menos a deslealdade gera colossal timidez. Pois, com a traição e a deslealdade, você ainda acredita que pode se redimir e pedir perdão com trabalho forçado. Já a falta de amor não tem conserto. Acabou em si qualquer dúvida, qualquer vontade de discutir e melhorar. Está seco para segurar o fogo, como um tapete de cera no altar de promessas.

O amor desapareceu e, com ele, o brilho do olhar, a curiosidade da boca e a atenção do corpo. É um morto caseiro, não um morto público. Um morto somente para uma pessoa, para as demais ainda vive.

Ficará absolutamente sem graça para explicar para a parte interessada o que aconteceu. Não há um motivo específico. Deixou de amar simplesmente. Como dar a notícia para quem talvez ainda o ame? Dizer meus pêsames? Abraçar e desejar boa sorte?
Pela primeira vez, enxerga a sua companhia como uma ex. Terá que lidar, ao mesmo tempo,  com a novidade, com a estranheza íntima  e acalmar os ânimos.

Não é simples. Quem deixa de amar carrega a dramaticidade de um impostor nas palavras. Porque foram feitas promessas de longevidade que não surtem mais efeito. Não mentiu enquanto amava, mas agora que não ama o passado de juras e felizes para sempre será visto como uma mentira. Uma grande e deslavada mentira.

O desejo sumiu, a intenção de permanecer sumiu, não dói fazer a mala, não é mais nenhuma chantagem ou agressão, não provoca uma cena para apressar a reconciliação e vencer a discussão por nocaute, não desfruta sequer da vontade de chorar e de gritar, nada que possa ser dito mudará a natureza do fim, é apenas um desprendimento total. Quer sair dali correndo, entretanto ninguém corre num cemitério, sob o risco de  pisar nos falecidos, derrubar as flores e vasos entre as lápides. Precisa caminhar devagar, rezar e enfrentar o vazio.

Estará sozinho frente a alguém desesperado, atormentado, incrédulo, quase sentindo pena. Compaixão de si pela tarefa de comunicar o que não entende.

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Sobre o autor

Fabrício Carpinejar é escritor e jornalista. Enquanto muitos se elegem como último romântico, ele se declara como o primeiro. Afinal, faz tempo que se prontificou a entender o amor em suas crônicas e poesias. Aqui você tem sua versão escrita, mas você pode conferir a sua versão falada em vídeos no YouTube: http://bit.ly/2sAu6xB

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